(O comentário foi publicado na Revista Análise em 08 de março de 2022)

Por muito tempo, diante do fenômeno da terceirização de serviços e atividades, a jurisprudência trabalhista se pautou basicamente pelo entendimento consolidado na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), expresso em sua Súmula nº 331, editada em 1993, que incorporou e revisou o conteúdo do antigo Enunciado nº 256, de 1986. À falta de uma legislação regulamentadora específica, as terceirizações seguiram por décadas baseadas unicamente no entendimento dos tribunais trabalhistas.

O posicionamento do TST firmou-se, em essência, no sentido de que a terceirização só seria lícita quando recaísse precisamente sobre atividades “secundárias” (meio), de apoio (tais como as relativas a serviços de conservação e limpeza e vigilância). Ficou proibida a terceirização de serviços na atividade fim ou principal das empresas, conceito aberto e com grande espaço para divergências.

Nesses casos, a hipótese seria de fraude na prestação de serviços, reputando-se ilícita a terceirização, pois presumidamente camuflaria uma relação de subordinação direta do trabalhador com a tomadora dos serviços, razão pela qual seria declarado judicialmente o vínculo de emprego correspondente, condenando-se solidariamente empresa prestadora e a tomadora de serviços ao pagamento dos haveres trabalhistas decorrentes daquela relação jurídica. Entendia-se, inclusive, que o trabalhador poderia mover ação contra sua “formal” empregadora e/ou, facultativamente, contra a tomadora dos serviços.

Em 2017, a Lei nº 13.429/17 afinal regulamentou as terceirizações, admitindo-as também para a consecução de “serviços determinados e específicos”, conceitos também abstratos e controvertidos, mas que pouco duraram, eis que a “Reforma Trabalhista” – aprovada pela Lei nº 13.467/17 – ampliou largamente as terceirizações para toda e qualquer atividade empresarial da tomadora de serviços, inclusive sua atividade principal (atividade fim).

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Nesse contexto, a jurisprudência – não sem alguma resistência inicial – passou a respirar novos ares: o Supremo Tribunal Federal (STF) numa série de decisões validou a ampliação das terceirizações. Consolidou-se, assim, a ideia de ampla constitucionalidade da terceirização.

Além de outras situações específicas (algumas inclusive anteriores às leis de 2017), em 2018, o STF afastou a distinção traçada pela Súmula 331 do TST, declarando “lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada” (Tema 725).

Já em 2020, o STF declarou constitucional a Lei 13.429/2017, sacramentando a validade da chamada terceirização “irrestrita” (ADIs 5.735, 5.695, 5.687, 5.686 e 5.685).

Diante desse novo cenário, sendo lícita a terceirização na atividade fim, a noção de ilicitude na terceirização fica restrita às hipóteses de efetiva fraude na contratação do trabalho, isto é, quando a terceirização for instituída como forma inequívoca de burlar a legislação trabalhista, o que se verifica quando existir real subordinação jurídica direta entre o trabalhador e a empresa tomadora de serviços (e desde que presentes também os demais elementos do vínculo empregatício, evidentemente).

Assim, o Tribunal Superior do Trabalho tem a missão de avaliar os desdobramentos práticos das decisões vinculantes do STF, revisitando casos específicos (e repetitivos) relacionados à terceirização de serviços nas demandas trabalhistas.

E analisando um desses desdobramentos, o Pleno do TST definiu nova tese jurídica (de observância obrigatória pelos tribunais trabalhistas) para os casos de terceirização ilícita (Incidente nº 1000-71.2012.5.06.0018).

O objeto central da controvérsia era o tipo de litisconsórcio aplicável (se facultativo ou necessário; se simples ou unitário) aos processos em que se discute a existência de vínculo de emprego com fundamento na ilicitude da terceirização na atividade fim. Em termos práticos, debatia-se se seria obrigatória a presença simultânea (litisconsórcio) da empresa tomadora (contratante) e da empresa prestadora de serviços (contratada) no processo judicial que pretende desconstituir a terceirização, por fraude à lei trabalhista, para assim reconhecer a existência de vínculo direto entre tomadora e trabalhador.

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Por maioria, ficou definido – entre outros aspectos – que o litisconsórcio entre empresa tomadora e empresa prestadora no polo passivo da ação judicial que pretenda invalidar a terceirização na atividade fim, buscando o vínculo de emprego direto entre trabalhador e a tomadora dos serviços é necessário (obrigatório) e unitário, pois a decisão final de validade ou invalidade da terceirização afetará de modo igual a todas as empresas litisconsortes, não podendo haver decisão diferente entre elas, tenham recorrido ou não das decisões proferidas ao longo do processo.

Como consequência, também ficou decidido que o autor da ação não pode excluir do processo ou renunciar em relação a umas das empresas contratantes, justamente pelo caráter unitário da decisão proferida, que abrange todos os partícipes da relação contratual.

Considerando a ausência de modulação de efeitos da decisão – como assentado pelo TST na tese adotada -, o julgamento do caso repercute sobre milhares de processos com a mesma temática em trâmite perante a Justiça do Trabalho, podendo, em determinados casos, ser arguida a inexigibilidade como título executivo das sentenças contrárias proferidas, e inclusive, em outros, abre-se a possibilidade de se rediscutir processos com sentenças já transitadas em julgado, com condenação quitada e arquivados (ainda que há muitos anos).

A decisão, que sinaliza uma verdadeira ruptura com o paradigma jurisprudencial anterior, encontra-se inegavelmente alinhada com os anseios do legislador reformista de 2017, com a orientação do Supremo Tribunal Federal e, em grande medida, com a realidade que vem sendo abraçada pelo mercado de trabalho brasileiro.